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Maternidade construída: uma experiência única

Historicamente, o papel da maternidade foi construído como ideal máximo da mulher, como realização da feminilidade, associado a um sentido de renúncia e sacrifícios prazerosos. Hoje, esse papel já é mais maleável, sendo a mulher reconhecida por outros valores, além da maternidade.

A maternidade posiciona a mulher diante de uma nova situação que implica em adaptação e reposicionamento da conduta; esse processo é lento e gradual exigindo da mulher capacidade de dar sentido a esta vivência, através de um processo elaborativo, que resulta em autoconhecimento e crescimento.

A maternidade traz mudanças intensas na vida da mulher, principalmente no que concerne à sua identidade, pois o nascimento de um filho implica no nascimento de uma “mãe” para este filho. A maternidade representa a passagem da mulher-filha para a mulher-mãe, colocada sob o ponto de vista do sacrifício da filha e a iniciação da mãe, atentando para o conflito psíquico que a mulher experimenta ao abandonar um lugar conhecido para iniciar-se num processo desconhecido que exige uma redefinição de sua identidade pessoal.

Faz-se necessário o sacrifício da filha, nutrida e protegida, para a iniciação da mãe que nutre e protege, vivenciando simbolicamente uma espécie de morte e renascimento, “o nascimento de um primeiro filho representa “morrer” como jovem e “renascer” como mãe” (Galbach, 1995, p. 82).

A forma de vivenciar a maternidade difere pela individualidade de cada mulher. Por isso, algumas mulheres diante dessa experiência tão nova, significativa e cheia de mudanças desenvolvem alguns sintomas, como depressão pós-parto e/ou psicose puerperal.

A maternidade se configura como uma vivência bivalente: possui seu lado de luz, de gerar uma vida e seu lado de sombra, de perda do conhecido, da identidade pessoal com um mergulho do novo, no que está por vir.

A sociedade e a cultura supervalorizam o aspecto positivo da maternidade, não considerando a dimensão de sombra. Este tabu criado em torno da maternidade e as suas implicações da percepção de seu aspecto sombrio, dificulta a verbalização desta experiência, o que leva as mulheres a não revelarem umas às outras a situação conflitiva que se deparam quando do nascimento de um filho, o que dificulta ainda mais a elaboração do processo.

Conhecer as necessidades do filho e desenvolver a capacidade de ser mãe, segundo diversos autores, não vem de um instinto natural; mesmo que este se manifeste em algumas mulheres, ele não daria conta dessa tarefa. A maternidade não é algo lógico, que siga regras; a mãe deve se colocar numa posição de abertura e de escuta em relação à demanda de seu filho.

Para Winnicott, 1956, os desapontamentos e as frustrações são uma parte inseparável da relação mãe-criança. O mesmo traz o termo “Preocupação Materna Primária” (PMP), que representa a adaptação da mãe às necessidades iniciais do bebê; ocorre não apenas com a mãe biológica, como também a uma mãe adotiva ou alguém que assuma esse papel.

A PMP é uma condição que se desenvolve gradualmente, a mãe tem sua sensibilidade aumentada durante e principalmente no final da gravidez; permanece por algumas semanas depois do nascimento. Quando a mãe se recupera dessa condição, esta não é facilmente recordada.

A PMP prepara o “cenário” no qual o bebê pode se constituir enquanto pessoa e se desenvolver; ficando mais protegido de invasões do ambiente. A partir desse momento, se configura a construção de self (sua essência, personalidade) da criança, com base no cuidado materno.

Passado a PMP, o autor afirma a necessidade de uma “mãe suficientemente boa”, ou seja, uma mãe que ofereça ao seu filho tanto cuidado como frustrações, através de outras atribuições. Se a mãe for, apenas cuidado, com seu filho, ela não dá a condição da criança desenvolver suas potencialidades, além da possibilidade de invasão extrema (aniquilação).

Já se a mãe só oferecer frustrações pode resultar numa dificuldade de aprendizagem, no início de uma delinquência ou na cleptomania, tentativa da criança preencher o vazio pelo roubo. Tanto o excesso de cuidados como de frustrações pode resultar na construção de um falso self, para se defender, tendo consequência uma psicose (exemplo de Tarso, novela).

Winnicott (1963) fala sobre o desenvolvimento da criança possuindo três fases marcantes: a dependência absoluta – 0 a 6 meses -, a dependência relativa – 6 meses a 2 anos - e o rumo a independência – 2 anos até o início da idade adulta.

Na dependência absoluta, a mãe sozinha é o ambiente para o bebê, necessitando do apoio e de um respaldo da sua família; momento em que ocorre a Preocupação Materna Primária. Na dependência relativa, ocorre uma desadaptação gradativa, a criança começa a se tornar consciente da dependência da mãe, por isso a frustração é necessária. Ocorre também o desenvolvimento da capacidade de imaginar para lidar com a falta temporária da mãe. No rumo à independência, a criança se torna capaz de viver uma existência pessoal que é satisfatória.

Nesse contexto de desenvolvimento, os “nãos” maternos são necessários no papel da frustração e se baseiam, na maioria das vezes, em perigos concretos. Os mesmos são necessários até que a mãe possa fornecer a criança uma explicação, que seja entendida por ela.

Existem três momentos de cuidado com o filho, que se relacionam as fases do desenvolvimento da dependência. No primeiro momento, a mãe e o pai são totalmente responsáveis pela proteção do bebê, o cuidado materno e a dependência do bebê estão intimamente relacionados.

No segundo momento, se inicia o período de dizer não, introdução do princípio da realidade e de por em cheque a onipotência da criança, cada mãe encontra sua maneira de dizer não. O terceiro momento é o tempo das explicações, em que a criança começa a entrar no mundo da linguagem e a entender o que se é dito.

Como se aprende isso? É na vivência de momento a momento que esse trabalho é realizado, não há lições nem prazo estabelecido para se aprender; a lição chega com as reações dos envolvidos. A proibição persiste até que cada filho se emancipe do controle paternal e construa um modo pessoal de vida e existência (idade adulta).

Muitas vezes um sentimento acomete as mães, de diversas formas: o sentimento de culpa, o que deixa muitas mulheres envergonhadas e com dificuldade de conversar abertamente sobre isso.

Mas, a culpa pode ser encarada como encorajadora do sentimento de responsabilidade da mãe em relação ao seu bebê. Às vezes é necessário que as pessoas duvidem de si mesmas para sentirem-se plenamente responsáveis; se cada uma não se sentisse um pouco culpada a respeito do bebê, não ia se esforçar para protegê-lo o máximo que pudesse.

A culpa é estruturante da relação mãe-bebê, um sentimento que torna a mãe sensível aos sinais do filho. Pais que não possuem essa capacidade para o sentimento de culpa, muitas vezes não se apercebem quando seus filhos estão doentes. A culpa da mãe se converte em amor protetor.

Juliana Caria Almeida

BIBLIOGRAFIA

BORSA, J. e EIL, C. O papel da mulher no contexto familiar: uma breve reflexão. 2008.

CALLIGARIS, Contardo; ET alli. Educa-se uma criança? Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1994.

SARMENTO, Gisele. O papel da maternidade no processo de individualização feminino. Material do curso Humanização, 2009.

WINNICOTT, Donald W. O brincar e a realidade. São Paulo: Martins Fontes, 1963.

WINNICOTT, Donald W. Da pediatria a psicanálise. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1993.

WINNICOTT, Donald W. Conversando com os pais. – 2º Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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